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Como Avaliar a Educação Infantil Pandemia
- 12 de fevereiro de 2021
- Posted by: Ana Maria de Souza Rodrigues
- Category: Professores
As escolas estão se adaptando a nova realidade. Em tempos de pandemia, todas as instituições estão tentando através de “erros e acertos”, identificar qual a melhor prática pedagógica mais eficaz neste novo cenário.
É certo que precisamos concentrar energia no cumprimento dos objetivos pedagógicos para superar lacunas de aprendizagem de 2020.
Assim que retornarmos as aulas presenciais, será necessário aplicar a avaliação diagnóstica. Ocorrerá em qualquer etapa da escolarização e também no início, no meio e no final de um processo de aprendizagem.
Com o ensino remoto é possível diversificar a avaliação e dividir as responsabilidades com os estudantes, como por exemplo:
- Estabelecer critérios para que o estudante possa identificar onde está e aonde quer chegar;
- Avaliar o professor;
- Realizar um portfólio seja digital e ou impresso.
A questão da educação infantil, de forma geral, tem sido assim pensada:
1 – Não reprovação escolar: nessa etapa a transmissão de conteúdos não implica aprovação e reprovação escolar.
2 – Ausência de currículo rígido: não há por que se preocupar com ensinamentos cumpridos dentro de um período definido, pois na educação infantil o sistema de avaliação é diferente.
3 – Não obrigatoriedade: a educação passa a ser obrigatória apenas a partir de 4 anos de idade e, ainda assim, frequentar a escola nessa fase não é pré-requisito para o ingresso no ensino fundamental, o que torna essa obrigatoriedade praticamente inaplicável.
4 – Maior relevância das etapas posteriores: como a partir do ensino fundamental todos os níveis da educação têm preservado o trabalho e seus alunos devido à possibilidade de aulas remotas e/ou da obrigatoriedade legal, as escolas infantis ficaram isoladas em um grito de socorro que se tornou muito baixo para ser levado a sério.
As razões de minha enorme preocupação são bastante amplas.
A Educação Infantil reflete toda a vida escolar do estudante. Deveríamos estar mais preocupados com a educação infantil do que com qualquer outra etapa nesses tempos de pandemia, pelos seguintes motivos:
Necessidade de Interações Sociais:
Nos primeiros 5 anos de vida as crianças estão se desenvolvendo de forma ímpar em todos os aspectos, de modo que a privação de contato com outras crianças gera lacunas em um momento delicado, uma vez que essas experiências são responsáveis por formar as estruturas física e psíquica do ser humano.
Enfim, se com o distanciamento social de crianças mais velhas, jovens e até mesmo nós adultos ficamos entediados e sentimos saudades das pessoas, a situação para os menores de 5 anos é muito mais séria, pois é através das interações das crianças com outras crianças que se desenvolvem funções como a autorregulação, a capacidade de controlar os próprios impulsos, de direcionar os desejos, bem como o processo de individuação, bases para todo desenvolvimento e aprendizado futuro.
Necessidades Neurológicas:
Para crianças a partir dos 7 anos, deixar de aprender algum conteúdo escolar ao longo de um ano letivo não significa nada além de ter que repor esse conteúdo no ano seguinte. Contudo, no nível infantil a situação é bastante distinta.
A grande questão é que os primeiros anos de vida representam o período mais fértil e crítico para o desenvolvimento cerebral de um ser humano, o qual depende essencialmente de experiências concretas e da proximidade física de outras pessoas. Negligências nessa fase significam sérios danos que podem perdurar por toda a vida.
Necessidades Cognitivas:
Trata-se do fato de que nos primeiros 5 anos de vida é quando estão abertas as grandes janelas de oportunidade para a criança estruturar os pilares mentais que lhe permitirão ler, escrever e aprender todo tipo de conteúdos no futuro.
Falhas educacionais nesse período da vida se tornam cumulativas e levam a atrasos cognitivos cujos impactos serão percebidos apenas anos depois, quando pode ser tarde demais.
Necessidade de movimento
Atividades físicas são restringidas, como tem ocorrido nesses dias de quarentena.
Entretanto, o que para outras idades não passa de um incômodo passageiro, para os primeiros 5 anos se transforma em um problema de graves consequências. Conforme mencionamos, essa é a fase mais relevante e crítica para o desenvolvimento cerebral, e o movimento é justamente um dos principais ingredientes para que esse processo transcorra de maneira saudável.
Por isso, o fato de que hoje muitas famílias necessitam estar trancadas em pequenos apartamentos com seus bebês e crianças pequenas, sem espaço e condições adequadas para a expressão do movimento, deve ser motivo de reflexões urgentes e profundas.
O QUE PENSAR DISSO TUDO?
Ainda não sabemos exatamente qual é a saída para esse problema, mas estou certa de que o conformismo e a passividade que temos assumido com relação à educação infantil não apenas nos distancia de uma solução, como nos coloca em uma condição perigosa.
Nesse contexto, estamos mais preocupados em nossas ações sob o argumento de que devemos “salvar vidas”. Mas, a pergunta é: o que é salvar vidas?
Nossa sociedade toma como valor máximo manter as funções vitais e esquece que a vida é algo muito mais amplo do que isso.
Essas são ideias para refletirmos sobre a primeira infância, que de todas as etapas da vida humana, certamente é a mais associada ao simples sobreviver, o que significa considerar que a criança pequena necessita apenas comer, ir ao banheiro e dormir.
Nada mais injusto com a fase mais fértil da vida humana para o desenvolvimento e aprendizado!
Sem dúvidas que precisamos antes de tudo assegurar a sobrevivência das crianças, mas reduzir nossa visão de vida exclusivamente aos atos de respirar e ter um coração pulsante não faz jus a tudo o que envolve uma vida humana. Portanto, sim, salvemos vidas, vidas físicas, mas também vidas psicológicas e mentais, pois todas essas são VIDAS a serem protegidas e salvas!
O QUE PODEMOS FAZER?
Recentemente ouvi a declaração de uma autoridade de educação se isentando de pensar a retomada das atividades presenciais nas escolas.
Essa atitude me trouxe a triste recordação histórica do período pós-guerra, no século XIX, quando a Europa superlotou os orfanatos com órfãos que haviam perdido seus pais em combate e contratou equipes de enfermeiras e médicos para que as crianças fossem apenas alimentadas e higienizadas, pois se considerou que isso bastava.
Anos depois o que se viu foi uma verdadeira catástrofe humana resumida pelo termo hospitalismo, marcada por crianças com problemas físicos e psicológicos de todo tipo.
Frente a um contexto de tal complexidade como o que estamos vivendo, não estou propondo simplesmente a abertura imediata e irresponsável das escolas. Mas também não posso concordar com a situação de inúmeras crianças que hoje estão em casa, passando mês após mês desse período excêntrico frente a televisores e aparelhos eletrônicos, cuidadas por babás dotadas de boa vontade, mas sem formação adequada, ou por pais bastante preocupados com os próprios filhos, mas igualmente desprovidos de condições para oferecer o que essa etapa de vida necessita.
Considero que não temos o direito de nos conformar com essa situação. Necessitamos convocar os educadores para junto com as autoridades de saúde pensarem em soluções globais.
Afinal, quando tudo isso passar, não espero que tudo volte a ser como era, assim como não tenho expectativas de transformações significativas na sociedade, pois sinceramente acredito que, mais do que uma pandemia, são necessárias profundas mudanças educacionais para nos fazer melhores. Sou mais modesta e espero somente que, quando tudo isso passar, não precisemos nos sentir constrangidos pela grande injustiça que estamos cometendo com as crianças pequenas.
Em tempos duros como esses, em que assistimos diariamente ao trágico espetáculo de algo sério como uma pandemia ser friamente transformada em oportunidade para atender interesses econômicos e partidários, as sensíveis sementes da infância estão lançadas em um solo árido demais para germinar. Apesar disso, faço votos para que nossos educadores – mesmo sozinhos e sem qualquer apoio – não se cansem de trabalhar para regar e manter vivos seus pequenos jardins, pois eles são a esperança de que um dia tenhamos um mundo melhor para todos.